terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O que poderia ter tornado Nietzsche um fenômeno pop


Nietzsche costuma ser amado ou odiado, e pouco compreendido. O interesse por ele vem crescendo ao longo dos últimos 100 anos e parece que se tornou popular no Brasil de uns tempos para cá, o que se pode notar pelas redes sociais, surgindo aí a seguinte questão: as pessoas que “curtem” Nietzsche já leram alguma obra dele e principalmente, o entenderam?  Sua obra não é assim tão inteligível, ele usava e abusava dos aforismos. Então, como se explica o fenômeno?
Nietzsche se tornou cult. Apreciá-lo seria uma maneira, digamos,  de obter certo verniz intelectual moderninho? Ou uma necessidade de que a todo momento surjam para consumo coisas novas ou reinterpretadas, que preencham o vazio da existência, modismos passageiros, para os quais não precisamos nos aprofundar? O mercado editorial, tendo percebido este filão, mistura filosofia com autoajuda e surgem até autores que usam descaradamente o nome de Nietzsche em seus títulos. Assim, tudo se confunde e não há necessidade de separar o joio do trigo.
Quando pessoas questionam qual a utilidade da filosofia,  uma pena que muitos não saibam, mas é nos ensinar a pensar acerca da nossa origem, do nosso lugar no mundo, das nossas ações, um aprendizado importante que vem perdendo o valor nas civilizações modernas. Pensar não deveria ser um privilégio ou uma obrigação apenas de intelectuais. E pensar implica em aprender a fazer perguntas. Na verdade, em sua época, Nietzsche foi um transgressor, subverteu a filosofia tradicional e não se preocupou em agradar a academia, os acadêmicos torciam o nariz para suas ideias.
Lou Salomé, Paul Ree e Friedrich Nietzsche, em 1882. A foto foi sugerida por Nietzsche após Lou Salomé ter recusado propostas de ambos os homens.
Lou Salomé, Paul Ree e Friedrich Nietzsche, em 1882. A foto foi sugerida por Nietzsche após Lou Salomé ter recusado propostas de ambos os homens.
Segundo a pesquisadora Scarlett Marton, Nietzsche só passou a ser considerado filósofo a partir dos anos 1930, e no Brasil ele foi tomado como filósofo só na passagem da década de 1960 para a década de 1970, após a leitura de dois autores: Michel Foucault e Gilles Deleuze.
Sobre Nietzsche já se falou de tudo. Que ele foi apólogo do ateísmo e um cristão ressentido,  tendo sido seu pai um pastor luterano. E é certo que Nietzsche foi apropriado pela arte, pela literatura e até pela política ideológica, tanto  de direita quanto de esquerda, e chegou a ter algumas de suas ideias desvirtuadas para servir ao nazismo, sendo que ele era totalmente contra o antissemitismo. Sua irmã Elisabeth  que era uma simpatizante do regime nazista, conforme Scarlett Marton, ao voltar para a Alemanha e encontrar o irmão já doente e ensandecido, passa a lançar livros do autor nas mais diferentes edições.
O caso, por exemplo, do livro “A Vontade de Poder”, título muito conveniente aos nazistas, teria sido uma edição forjada pela irmã de Nietzsche, uma vez que ele deixou inúmeras anotações póstumas. Ela teria selecionado 483 anotações póstumas e apresentado como a obra capital em prosa do filósofo, alegando que Nietzsche não tivera tempo de publicar. No caso específico deste livro, o título correto seria “A Vontade de Potência”.
Nietzsche, enfermo já no final da vida, e sua irmã Elizabeth
Nietzsche, enfermo já no final da vida, e sua irmã Elizabeth
Em uma percepção muito particular sobre o pensador, poderia me arriscar a dizer que para Nietzsche o homem está só no mundo para resolver seus dilemas morais, sua condição de céu e inferno está inteiramente em suas mãos. O homem pertence a ele mesmo e possui  uma força visceral, escondida em suas entranhas. No entanto, precisa de uma vontade férrea de trazê-la à superfície, e não pode se colocar como mero espectador, nem mesmo como vítima, e os valores não seriam divinos e nem imutáveis, surgiram em algum momento em algum lugar.
Scarlett Marton diz que Nietzsche foi um pensador rebelde que não se importava com a fama da vida acadêmica, e ao longo dos anos alguns autores vêm tentando domesticá-lo. Os pensadores de seu tempo não o consideravam um filósofo, diziam que estava mais para poeta, quem sabe um filósofo-poeta. Mas isto não é de todo ruim, por sinal, muito pelo contrário.
“ O meu nome é Zaratustra, e me espanto de que você me tenha pedido para tocar uma ‘variação filosófica’ na minha flauta. Com certeza você não me conhece. Sou músico. Mas a música que toco não agrada aos filósofos. Basta que eu comece a tocar para que os filósofos comecem a correr.”

Leitura recomendada: Nietzsche – a transvaloração dos valores e Nietzsche pensador mediterrâneo, de Scarlett Marton.
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