Você vê essa imagem e a música do Elton John já começa a tocar na sua cabeça – In the ciiiircle of liiiiife!.Pois bem, esqueça tudo o que você ouviu falar até hoje sobre O Rei Leão. Qualquer um que foi criança conhece a história de Simba. Devo confessar que minha paixão por este filme aumentou ao ler o estudo que Salma Ferraz* desenvolveu sobre esse fantástico longa-metragem da Disney.
Em O Rei Leão e a Memória do Mundo (1998 – Ed. FURB), a pesquisadora lança um olhar sobre os vários intertextos que o filme possui e nos mostra faces da literatura clássica, da Bíblia e da própria História presentes no enredo. Umberto Eco disse que “os livros sempre falam sobre outros livros e toda estória que já foi contada. O intertexto poderia definir-se como a impossibilidade de viver fora do texto infinito.”. Talvez você já tenha visto (ou melhor, lido) em algum lugar essa história de um irmão matar o outro para conquistar o trono, mas não consegue lembrar onde. Bom, O Rei Leão é muito mais que isso. Vamos por partes.
“Não é o indivíduo que faz literatura, é a Humanidade.” – Paulo Leminski.
Hamlet, de William Shakespeare
Scar é um leão de juba negra, rejeitado, que deseja o trono de seu irmão Mufasa. Para alcançar sua ambição, Scar mata o irmão e faz com que tudo pareça um acidente. Tempos depois, o fantasma de Mufasa aparece ao filho, Simba, em busca de vingança. História familiar, não? Se você lembrou de Shakespeare, meus parabéns! A ideia central de usurpação do trono de O Rei Leão é a mesma de Hamlet, o Príncipe de Dinamarca. Da mesma maneira que, a pergunta central. Simba e Hamlet se questionam a respeito da identidade – enquanto o leão precisa lidar com o “Who am I?”, o Príncipe da Dinamarca tenta resolver o “To be or not to be”. Tanto um quanto o outro precisa enfrentar seus fantasmas interiores para que possam triunfar no mundo exterior.
Édipo Rei, de Sófocles
Acreditando ter sido o responsável pela morte do pai, Simba carrega o fardo da culpa em seus ombros por alguns anos. Esse intertexto não é tão claro quanto o de Hamlet, mas se você pensar um pouco, pode relembrar da primeira parte de Édipo Rei, de Sófocles. A tragédia grega conta a história de um homem que acaba matando seu pai e casando com sua mãe. Atormentado pela culpa, ele lamenta: “Era tudo certo e tudo se cumpriu. [...] Que desgraçado sou! Que poderia eu querer ver, ainda, se nada mais existe que possa trazer alegria aos meus olhos?”. Édipo fura os próprios olhos, porém, Simba os têm abertos pelos conselhos do velho Rafiki.
Adolf Hitler, o maior vilão do século 20
Os discursos de Hitler iam ao encontro das emoções dos ouvintes e seu tom altamente convincente acabava por manipular as massas. Scar queria conquistar o poder e estabelecer uma nova era em que hienas e leões estariam lado a lado. A cena de seu discurso nos remete claramente aos discursos do führer, em que as massas o saudavam freneticamente. Ao que parece, Scar e Hitler detestavam as massas, mas dependiam delas para tomar o poder. Ainda que a Disney tenha tentado conferir a imagem de Hitler a Scar, Salma Ferraz questiona quem seria o verdadeiro führer. Afinal, é Mufasa quem “transmite ao seu filho a crença num partido único, num ideologia despótica incontestável e no domínio total do seu território por um único partido: o dos leões.”.
O nascimento de Cristo
O recém-nascido Simba é saudado por todos os animais na Pedra do Rei. Esse episódio faz ligação com o nascimento de Cristo, o Leão da Tribo de Judá, descrito nos livros bíblicos de Mateus e Lucas. Rafiki é quem o apresenta a todos os animais e o homenageia, representando, dessa maneira, os Três Reis Magos.
Ricardo II, De William Shakespeare
Já percebeu que quando Mufasa era o Rei, a terra vivia em completa harmonia? Havia comida, água e o sol brilhava radiante no horizonte. Depois que Scar assume o trono, deparamo-nos com um cenário completamente diferente. A escuridão engoliu a terra, trazendo morte e seca. Um pouco menos conhecido, claro, mas esse fato nos remete a Ricardo II, também de Shakespeare, em que Rei e reino estão fortemente interligados.
Merlim e o Rei Arthur, lenda celta
Rafiki é aquele que possui a sabedoria necessária para aconselhar Simba a encontrar seu caminho, semelhantemente a Merlim, que foi uma espécie de mentor para o Rei Arthur. Com seu cajado, o macaco é também o “elo entre o real e o mítico”, aquele que possui certo dom para interpretar e direcionar os fatos.
Apocalipse
De acordo com o Dicionário de Símbolos de Chevalier, o leão tem o papel de protetor, com a “reputação de afugentar os demônios e de trazer saúde e prosperidade”. Outra leitura que podemos ter a respeito do filme, é a de Mufasa/Simba representando Deus e Scar representando o diabo. As hienas seriam a terça parte de anjos caídos, os demônios – e tudo isso nos remete ao livro bíblico do Apocalipse.
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* Salma Ferraz é escritora. Contista premiada com 4 livros de contos publicados e 20 livros de critica literária. Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, atua na área de Teologia e Literatura.
* Salma Ferraz é escritora. Contista premiada com 4 livros de contos publicados e 20 livros de critica literária. Professora da Universidade Federal de Santa Catarina, atua na área de Teologia e Literatura.
http://homoliteratus.com/o-universo-literario-de-o-rei-leao/
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