David Foster Wallace nasceu em 24 de fevereiro de 1962, em Nova Iorque, e pouco depois sua família mudou-se para Illinois. Formou-se em Língua Inglesa e Filosofia. Era pouco conhecido no Brasil, tendo o interesse por ele aumentado depois do seu suicídio em 2008, aos 46 anos, mas é um dos escritores mais admirados de sua geração. Ele era adepto da prosa pós-modernista, repleta de metalinguagens, e sua escrita caracteriza-se pela ironia, presença quase constante em seus textos.
Talvez seja tentador associar sua obra ao seu suicídio, mas não é o caso de valorizar sua obra, que aliás é bastante significativa, por causa do seu fim trágico. Por sinal, abrindo aqui um parênteses, o suicídio, embora um tabu para as religiões, sempre foi um tema recorrente na literatura. Nos tempos do romantismo, a morte voluntária podia tornar um escritor ainda mais cultuado, e muitos clássicos literários já abordaram o tema. Mas a importância do tema tem a ver com as questões instigantes da filosofia acerca do sentido da vida.
Wallace percorreu os caminhos do jornalismo literário, quando foi colaborador de uma revista de variedades e cultura (ele não era um jornalista), o que resultou no ótimo ensaio: “Ficando Longe do Fato de já Estar Meio que Longe de Tudo”, onde se coloca como um observador da sociedade americana, do chamado “estilo de vida americano”, na verdade o modelos das sociedades modernas, onde egocentrismo e individualismo são características comuns. Uma sociedade que se tornou viciada em todo tipo de entretenimento, chegando aos extremos do mau gosto.
Ele descreve a rotina de vários eventos sociais que cobriu, e os descreve como um expectador distante, mas atento aos movimentos, aos comportamentos, ao clima, e percebe o que tinham em comum de monotonia, de hipocrisia, de uma normalidade bovina, onde tudo pode ser tão padronizado e ensaiado, que acaba por nos remeter à velha pergunta, sobre se a vida é só isso. Um tédio que, se não prestarmos atenção, nos causará aos poucos um embotamento mental.
Wallace discorre sobre o dia a dia com certo humor sarcástico, e há momentos em que temos uma sensação de estranhamento desse mundo tão estéril. No entanto, ele não deixa de buscar a empatia pelos personagens nesse cenário social cotidiano.
Há uma passagem interessante em sua vida que se tornou conhecida e marcante, recebendo o nome de “isto é água”. Walace, como paraninfo de uma turma de formandos, ilustrou seu discurso com a estória dos peixinhos:
Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário. Ele os cumprimenta e diz:- Bom dia, meninos. Como está a água?Os dois peixinhos nadam mais um pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta:- Água? Que diabo é isso?Não se preocupem, não pretendo me apresentar a vocês como o peixe mais velho e sábio que explica o que é a água ao peixe mais novo. Não sou um peixe velho e sábio. O ponto central da estória dos peixes é que a realidade mais óbvia, ubíqua e vital costuma ser a mais difícil de ser reconhecida. Enunciada dessa forma, a frase soa como uma platitude – mas é fato que, nas trincheiras do dia a dia da existência adulta, lugares comuns banais podem adquirir uma importância de vida ou morte.
O que ele quis dizer é que nossa vida torna-se tão condicionada, e que no âmbito acadêmico tendemos a intelectualizar demais as questões, que acabamos por não perceber a “água” em que estamos imersos. Esse deve ser também o motivo para citar o absurdo Kafkaniano em seu livro, e a dizer, que para tentar explicar Kafka a seus alunos, poderia talvez pedir a eles que imaginassem seus contos como uma espécie de porta, onde eles batessem com toda a força, não só querendo entrar, mas precisando disso com desespero. E quando enfim a porta abre, ela se abre para fora. Estávamos o tempo todo dentro daquilo que queríamos.
David Foster Wallace durante o discurso “isto é água”
Para Wallace todos nós temos uma configuração padrão, e cabe a pergunta do quanto nos é exigido de sabedoria ou de intelecto para adequar essa configuração. Aprender a pensar implica escolher sobre o que pensar e de que forma, decidir o que na vida tem significado e o que não tem.
Lembrem o velho clichê: “A mente é um excelente servo, mas um senhorio terrível.” Como tantos clichês, também esse soa inconvincente e sem graça. Mas ele expressa uma grande e terrível verdade. Não é coincidência que adultos que se suicidam com armas de fogo quase sempre o façam com um tiro na cabeça. Só que, no fundo, a maioria desses suicidas já estava morta muito antes de apertar o gatilho. Acredito que a essência de uma educação na área de humanas, eliminadas todas as bobagens e patacoadas que vêm junto, deveria contemplar o seguinte ensinamento: como percorrer uma confortável, próspera e respeitável vida adulta sem já estar morto, inconsciente, escravizado pela nossa configuração padrão – a de sermos singularmente, completamente, imperialmente sós.O mundo jamais o desencorajará de operar na configuração padrão, porque o mundo dos homens, do dinheiro e do poder segue sua marcha alimentado pelo medo, pelo desprezo e pela veneração que cada um faz de si mesmo. A nossa cultura consegue canalizar essas forças de modo a produzir riqueza, conforto e liberdade pessoal. Ela nos dá a liberdade de sermos senhores de minúsculos reinados individuais, do tamanho de nossas caveiras, onde reinamos sozinhos.Pensem de tudo isso o que quiserem. Mas não descartem o que ouviram como um sermão cheio de certezas. Nada disso envolve moralidade, religião ou dogma. Nem questões grandiosas sobre a vida depois da morte. A verdade com V maiúsculo diz respeito à vida antes da morte. Diz respeito a chegar aos 30 anos, ou talvez aos 50, sem querer dar um tiro na própria cabeça. Diz respeito à consciência – consciência de que o real e o essencial estão escondidos na obviedade ao nosso redor – daquilo que devemos lembrar, repetindo sempre: “Isto é água, isto é água.”É extremamente difícil lembrar disso, e permanecer consciente e vivo, um dia depois do outro.
Algumas obras literárias famosas que tiveram como tema o suicídio:O Mito de Sísifo, de Albert Camus
Romeu e Julieta, de Shakespeare
Anna Karenina, de Tolstói
O Suicídio (um estudo do sociólogo francês Émile Durkheim publicado em 1897)
Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe – esta considerada a mais emblemática. O destino do protagonista teria provocado uma onde de suicídios na Europa do século XVIII, época do romantismo.
Romeu e Julieta, de Shakespeare
Anna Karenina, de Tolstói
O Suicídio (um estudo do sociólogo francês Émile Durkheim publicado em 1897)
Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe – esta considerada a mais emblemática. O destino do protagonista teria provocado uma onde de suicídios na Europa do século XVIII, época do romantismo.
http://homoliteratus.com/david-foster-walace-e-a-necessidade-de-prestar-atencao-constante-ao-mundo/
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