segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Leitura, um exercício generoso, segundo Sartre e Beauvoir

A leitura permite a vivência dos inúmeros benefícios que são incansavelmente debatidos e associados à apreciação dos textos literários. 

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Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir
Na obra O que é literatura?, Jean Paul-Sartre (1905-1980) aponta o ato de ler como o exercício que complementa a atividade iniciada pelo escritor. Segundo o filósofo existencialista francês, o objeto literário é um estranho pião que só existe quando movimentado pela leitura. “Fora daí, há apenas traços negros sobre o papel” (p. 35).
Contudo, Sartre não se refere a qualquer tipo de leitura. Para que o leitor possa ser personagem partícipe no processo de criação é indispensável que o seu debruçar-se sobre o livro seja generoso, assim como o exercício da escrita. Em outras palavras, é essencial que o leitor se permita envolver com as histórias que lê.
“(…) a leitura é um exercício de generosidade; e aquilo que o escritor pede ao leitor não é a aplicação de uma liberdade abstrata, mas a doação de toda a sua pessoa, com suas paixões, suas prevenções, suas simpatias, seu temperamento sexual, sua escala de valores (SARTRE, 1989, p. 42)”.
Simone de Beauvoir (1908-1986), em conferência intitulada Para que sirve la literatura? (edição argentina), defende, de modo semelhante a Sartre, que o leitor deve se dispor a entrar no mundo que lhe é apresentado, fazendo com que o universo do escritor torne-se o seu próprio universo. “Abdico de mi ‘yo’ em favor del que habla. Y sin embargo sigo siendo yo misma (1967, p. 72)”.
Assim, o leitor é convidado a se entregar e imergir pelos meandros do livro que carrega em mãos, mas sem esquecer que nesse mergulho o que é propriamente seu não deve ser esquecido, senão respeitado e preservado. Mesmo porque é naquilo que lhe é particular que o leitor vai descobrir artifícios importantes para embarcar e acessar o mundo de imagens e significados que no livro o aguardam.
E pode-se acrescentar a este exercício de leitura generosa, além da imersão total, um engajamento puramente imaginativo, já que para imergir no universo recortado pelo escritor, o imaginar se mostra sempre imprescindível. É como se o leitor submetesse os fundilhos da sua imaginação, como propõe Vladimir Nabokov (1899-1977) em Lolita (2011[1955]), a um pontapé capaz de lhes fazer imaginar de maneira viva e fértil, o que não só o leva ao cumprimento de uma das suas funções principais, mas também à concretização do seu papel de coautor do objeto literário.

Ler, portanto, pode (e deve, sobretudo, no mundo da literatura de ficção) ser uma atividade que vai além de um exercício de caráter meramente cognitivo. Arrisca-se ainda o palpite de que é, através desse envolvimento integral e dessa contribuição imaginativa, que a leitura permite a vivência dos inúmeros benefícios que são incansavelmente debatidos e associados à apreciação dos textos literários. Do contrário, o leitor estaria apenas, como lembra Sartre, diante de traços negros que, certamente, não o levaria a lugar algum.
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