segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Em busca da linguagem como escritor – de Suassuna a Guimarães Rosa


Uma brevíssima “comparação” da construção das palavras nas obras de Ariano Suassuna e Guimarães Rosa.

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Ouvi num dos episódios do Podcast 30:MIN alguém comentar que um determinado escritor brasileiro atual desenvolvera uma linguagem que tornava a leitura do seu livro bastante agradável, e atribuiu essa característica ao fato de que ele costuma ler bons autores brasileiros e que a literatura estrangeira traduzida poderia, linguisticamente, ser inexpressiva, limitando-se apenas ao significado das palavras, perdendo assim peculiaridades do idioma original. Perdão por não lembrar o episódio e quem o citou, tampouco o nome desse autor. Não esqueci esse comentário e pensei que se a leitura de autores nacionais não me ajudasse a desenvolver uma linguagem interessante como escritor, pelo menos não seria inútil lê-los. Entendo por linguagem: a forma com que o escritor comunica suas ideias e pensamentos através da escrita, com as palavras, o jogo de palavras, de significados, etc.
Comecei minha saga por autores nacionais e li O Auto da Compadecida¹. Sou nordestino e de cara me identifiquei com o texto, reconheci expressões e crendices regionais e os estereótipos também. As palavras e expressões utilizadas na obra até parecem que foram propositalmente escolhidas para dar musicalidade aos diálogos. Decidi ler um romance dele (Romance d’A Pedra do Reino e O Príncipe do Sangue do Vai-e-volta²) para ver como sua escrita se comportava fora de um roteiro. Ainda estou no início das centenas de páginas (o livro é grande), mas no prefácio do livro encontrei uma “comparação” interessante. Raquel de Queiroz liga a literatura de Ariano á de Guimarães:
“… A tendência de muitos será comparar Suassuna a Guimarães Rosa. Para mim, não. Rosa era um inventador de pessoas e palavras, inclusive de nomes próprios; criador de um idioma novo, às vezes belíssimo — mas evidentemente manufaturado por ele no seu laboratório. Já Suassuna, a sua língua existe, existiu sempre; pode ser em momentos arcaica e preciosa, dando a impressão de inventiva; porém tudo ali são palavras que, hoje ou ontem, o uso poliu e afeiçoou; e se a sua sintaxe não é a oficial, também não foi composta em banca de trabalho, visando o efeito eufônico ou poético. É a sintaxe tradicional, poético-coloquial-declamatória-literária a que recorrem os cantadores e repentistas e os contadores de romances — naturalmente transfigurada pelo trato que Suassuna lhe dá…”
Antes de levantar polêmicas, não é justo dizer que um é melhor que o outro, acredito que nem Rachel quis levantar essa questão. Eu vejo tipos distintos e igualmente ricos de linguagem, enquanto um (Guimarães) cria um idioma misturando conhecimentos linguísticos com as expressões coloquiais e vai construindo as palavras, o outro (Ariano) se apropria, com louvor, de uma língua existente transformada naturalmente pelo uso popular, muita vezes esquecida, mas que é preciso muita sensibilidade e trabalho árduo para agrupá-las de modo tão original. Cada um trabalha seus textos de uma forma específica e no final quem ganha é a literatura brasileira. Essa breve análise entre a linguagem de Ariano e a de Guimarães além de interessante apresenta mais uma prova (como se ainda precisássemos provar algo) de que a literatura nacional não é inferior a de nenhuma outra nação. Ainda vou ler esse romance e depois uma obra de Guimarães Rosa para formar uma opinião mais firme. E o que vocês acham disso? Deixem seus comentários.

¹ Suassuna, Ariano. O Auto da Compadecida. São Paulo, Agir, 2005.
² Suassuna, Ariano. Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-volta. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1976.
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